sexta-feira, 17 de junho de 2016

A vida indiscreta dos vizinhos



Eu moro em uma cidade pequena. Na minha rua, apesar de não conversarmos todos os dias, os vizinhos se conhecem e isso sempre me deu a sensação de pertencer a um lugar seguro.
Certa vez eu contratei um pintor para dar um jeito na casa, deixei a minha ajudante responsável por fiscalizar o serviço e fui viajar.
Os vizinhos percebendo a minha ausência e vendo um carro diferente estacionado em frente à minha casa, ligaram para os meus pais.
- Tem um carro estranho estacionado em frente à casa da sua filha. 

Meus pais ligaram em casa e, após se certificarem do que estava acontecendo, acalmaram os vizinhos.
- Tudo certo. Tudo favorável.
Lembro que a minha irmã que mora em uma cidade grande ao saber dessa história ficou chocada com a falta de discrição dos vizinhos, vendo neste comportamento não apenas a intenção de me proteger ou a minha família, mas também de bisbilhotar o que se passava dentro do meu lar.
Eu, no entanto, fiquei feliz por saber que tem gente zelando por nós. Acho que é uma questão de mentalidade de quem mora em uma cidade grande, que está acostumado a ser mais um na sociedade. 
Quem mora em cidade pequena não se preocupa tanto com isso até porque seria uma perda de tempo.
Onde quer que a gente vá, do supermercado ao salão de beleza, de casa para o trabalho, sempre encontra com uma pessoa conhecida, que vai comentar sobre a roupa e perguntar sobre a vida.
Quem mora em cidade pequena sabe que não é possível ter muita privacidade. Se eu ficar doente, pessoas que eu nem conheço – mas que me viram crescer ou praticar algum esporte no clube da cidade – vão comentar sobre isso.
Eu não ligo de dividir um pouco da minha rotina com os meus vizinhos, pois se faço isso com os colegas virtuais através dos meus textos no Blog Encantes porque não faria com os colegas que vivem ao lado da minha casa?
Eu mesma conheço a rotina de muitos deles. Não sei o nome de todos, mas eu sei que a moça loira, esposa do senhor do sobrado branco, um pouco abaixo da minha casa, é responsável por alimentar os gatos da rua.
Eu sei que o vizinho da casa na frente à minha buzina sempre quando chega do trabalho, na hora do almoço e no final da tarde, para que a esposa venha abrir o portão. Outro dia, por acaso, encontrei com ela e perguntei por que não instalava um portão automático, nesses dias de frio seria muito útil.
- Eu não confio nesses portões. Enfim, cada um com os seus cada quais.
Além disso, eu acho super fofo quando eu a vejo recebendo o marido no portão sempre que ele volta para casa.
O fato é que apesar de mal nos falarmos, existe um relacionamento de cumplicidade entre nós, que surgiu ao longo dos anos, de forma espontânea, mas aos poucos nos acostumamos com os barulhos e silêncios uns dos outros.
Claro, que existe um limite entre preocupação com o vizinho e bisbilhotar a vida alheia para fazer fuxico pela cidade. Graças a Deus, os meus vizinhos estão na primeira categoria.  
Mas, já passei por situações engraçadas.
Uma época, quando os meus filhos ainda eram pequenos, eu morei em uma casa conjugada e às noites eram tumultuadas. Eles choravam por manha, brigavam um com o outro ou comigo, digamos que era uma casa com noites movimentadas.
Lembro que de manhã ficava envergonhada por que sabia que o vizinho tinha ouvido tudo e o pior era que ele fazia questão que eu soubesse disso.
- A sua filha está melhor? Ela tossiu a noite toda...
- O seu filho se machucou muito com o tombo que levou do berço?
Eu sentia como se estivéssemos todos juntos na mesma casa, mas naquele caso tinha gente demais kkkk.
Sempre encarei isso com espírito esportivo porque não tinha o que eu fazer naquele momento.
Eu acho que nos tempos em que estamos vivendo, cercados de tanta violência, muitos de nós está passando por uma situação parecida só que de uma forma mais ampla.
Nós aceitamos abrir mão da privacidade para viver em paz. Não tem muito que podemos fazer, pelo menos por ora.
Há sempre um risco, que a gente nunca se esqueça disso.
Afinal da porta de casa pra dentro, o Dr. Jekyll se transformava em Mr. Hyde, o médico virava um monstro. Você tem certeza que conhece o seu vizinho?    

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