terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

A Mulher Sol



É claro que ele a amava e disso nunca teve dúvidas.

Estavam juntos há tanto tempo...

Ele ainda se recordava da primeira vez em que a viu. Ela usava um vestido branco, colado ao corpo.
Neste dia, a pele dela estava bronzeada, os cabelos compridos e meio ressecados de tanto mar... Ele a viu primeiro, mas foi ela quem tomou a iniciativa...
Nesta hora, Ele deu uma risada e agradeceu por estar sozinho, atrás daquela porta, sem ninguém para ver o quanto pensar naquele momento ainda o deixava desconcertado.


Ontem, eles tinham brigado. Ela se queixou do seu silêncio. Ele tentou explicar que não tinha nada importante para dizer. Ela, então, reclamou da sua ausência.
Ele não conseguia entender como ela podia reclamar da sua ausência! Em 30 anos de casados sempre estivera ao lado dela.

O que mais ela queria dele?

Ele fechou os olhos com força para brecar um pensamento insistente que dizia... Ela quer ouvir as suas palavras.

Ele não era muito bom com as palavras, uma pena.

Durante todos aqueles anos de casados, sempre se sentiu mais confiante para expressar os sentimentos através de gestos do que com palavras.

Ela sempre aceitou isso e parecia conhecê-lo muito bem, mas será que ela estava cansada dos seus silêncios?
Ela era o seu avesso. Falava através da boca, das mãos e até do olhar. Mesmo quando brigava e depois, de repente, ficava quieta... ainda continuava falando através do sorriso.
E esse sorriso o deixava muito inseguro porque era como se dissesse:

- Cansei de brigar pelas mesmas coisas.

Ah! Os anos de casados criaram entre eles um mundo à parte, onde as cenas se repetiam e se repetiam...
Onde as palavras eram ditas apenas para permanecerem vivas, sem nenhuma força para muda-los.
Nesta hora, ele disse baixinho só para si mesmo:

- Por que nós precisamos mudar?

Depois de terem dormido à noite toda juntos, ele ainda sentia o cheiro e o calor da pele dela. Sentiria isso por mil anos ou mais.
De repente Ele percebeu um movimento diferente na cama e  a viu se sentar de frente para a janela, onde entrava o sol da manhã.
Prendendo a respiração, o marido continuou a espiar atrás da porta...
A esposa levantou os cabelos até aparecer a sua nuca e depois deixou o lençol cair deliciosamente até mostrar toda a sua nudez.
Foi neste exato momento que ele compreendeu todas as razões do seu coração.

A sua mulher era o seu sol.

Ela tinha o poder de iluminá-lo com o seu sorriso, derreter as suas últimas defesas e fazê-lo queimar por dentro.
Será que ela sabia que tinha tanto poder sobre ele?
Ele ainda conjecturou se ela o tinha visto espiando por trás da porta e estava se mostrando para provoca- lo.
Se ela estava brincando com ele ou apenas testando o seu poder.
Esses “ses” eram o que faziam dele um menino cheio de dúvidas e fantasias quando estava diante dela. Por mais que a conhecesse bem, sempre aparecia um novo “se”.
Ele ficou ali a observando e esperando o seu chamado, sabendo que isso não tardaria acontecer.
E pensou como era bom saber que seria ele a entrar naquele quarto. 

(Esse curto episódio de uma história de amor foi inspirado no desenho da artista Isabel Galvanese, que despertou muitas emoções em mim) 

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