domingo, 26 de agosto de 2018

Palavras Infiéis


Um amigo terapeuta me aconselhou a começar esse texto assim:

- Eu não consigo mais escrever.

Logo em seguida, me aconselhou, vá ao meu consultório.
Talvez, ele esteja certo e tudo que eu precise é começar a fazer alguma coisa, seja escrever ou fazer terapia. Estar aqui é alguma coisa. 
Agora que comecei, fico pensando como continuar. 
Talvez eu devesse refletir qual foi última vez que eu escrevi algo tão bom que me emocionou. Não, pensando bem, isso é procurar uma desculpa para disfarçar o problema.
Ok. Vamos aprofundar. Quando foi que eu parei de escrever...
Eu acordo pensando no que eu escrever; ando pelas ruas observando as pessoas e pensando que poderiam ser personagens para as minhas crônicas; ouço as histórias dos amigos e imagino como reescrevê-las sem que eles me odeiem por expo- los.
Eu nunca parei de sentir vontade eu só não conseguia.
E essa vontade de escrever é algo que me angustia. Você pode estranhar como alguém pode se sentir angustiada por sentir vontade de escrever e até desdenhar:

- Tanta gente angustiada porque está doente, desempregada ou por estar sozinha e essa garota sofrendo porque sente vontade de escrever.

O pior é que eu também penso assim. Mas, não adianta nada. Ainda me sinto angustiada.
Eu, realmente, preciso escrever para me sentir feliz.
Só sentir vontade de escrever e não conseguir fazê-lo me deixa em um estado de sofrimento, me sinto mal pra caramba!
E é isso que eu estou sentindo há um tempo longo demais.
Talvez eu devesse ter conversado com o meu amigo terapeuta há mais tempo... foi só escrever que eu não conseguia escrever que as palavras estão voltando, tudo bem que são apenas abobrinhas e lamúrias idiotas.
Mas, já é alguma coisa. Só para você saber, neste momento, estou me empolgando. Agora veio uma ideia na minha cabeça.
Será que as palavras estavam esperando eu vir a público me humilhar, dizer que eu não conseguia mais escrever, que estou sofrendo, para decidir reaparecer como um soluço?
É assim que estou me sentindo agora, soluçando palavras.

O que (glup!) eu vou (glup) escrever depois (glup, glup, glup)?

Eu preciso ir mais fundo, mais fundo, descobrir o dia exato em que as palavras decidiram me abandonar.
Será que foi quando eu deixei a realidade sobrepor o sonho?
Quando percebi que o meu livro tinhas pernas curtas e não iria muito além de São Sebastião?

Ou decidi fechar a Loja Encantes porque simplesmente era mais apaixonada pelas minhas peças do que as clientes que nunca apareceram?

Ou foi quando o meu filho mais novo saiu de casa para estudar em uma cidade linda, porém, distante e a casa ficou assim... silenciosamente silenciosa?

É...

Eu não escrevi por falta de assunto.
As palavras ficaram todas aqui dentro de mim.
Talvez bastasse um toque na tela do computador para elas saltarem e depois correrem por essa página em branco, formando frases e mais frases...
Mas, isso não aconteceu.
Eu só não sabia como começar. Ou, como estou fazendo agora, ficasse me questionando se valia a pena soltar essas palavras, afinal, que bem elas farão?
Também pode ter acontecido que as próprias palavras decidiram não me expor a essa situação de maior carente e desiludida.
Exagero. Ainda tenho o meu marido, meus filhos, minhas irmãs, meus pais e o grupo de escrita que eu adoro. Ainda tenho as viagens e a arte.
Mas, durante todo esse tempo, só pensei naquilo que me faltava. E as palavras estavam entre eles.
Outra amiga, uma artista muito sensível, me disse que a vida é feita de ciclos.
Acho que estou neste momento finalizando um deles, deixando para traz o período da inocência e encarando o futuro com menos ilusão.
Talvez as palavras não gostem disso, mas terão que se acostumar porque eu não desistirei fácil delas, pretendo insistir, insistir e insistir...
Bom, desculpe pela ladainha... agora você entende porque as palavras me abandonaram todo esse tempo.
Cheguei a pensar que eram infiéis, mas pensando agora acho que são as únicas amigas verdadeiras e estavam apenas protegendo os meus leitores de ler coisas tão ruins e que, fatalmente, me deixariam envergonhada.

Estou me sentindo envergonhada agora, desculpe.

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